sábado, 22 de agosto de 2009

Sem ela



Às vezes um Rio negro galgava o espaço e fechava-se sobre a sua cabeça. Um tanque de um navío petroleiro.
Como breu, um líquido escuro, aveludado, macio e quase aconchegante..
A minha amiga ficou nesse mesmo Rio negro.
Foi apanhada por uma corrente interior, que a fez rodopiar como uma frágil bailarina e afundar-se lentamente.

Sem sapatos, sem medo, sem ninguêm, sem mim, rodeada de algas azuis e frustraçoes afogadas.

Finalmente, longe da dor e da fadiga, sem memória, sem amigos, sem respirar, sem chorar, nunca mais, sem voltar, sem mim, sem gritar, sem sorrir, nunca mais.
Lentamente, através do fumo de um cigarro, suspenso na máscara que ela escolheu para sobreviver, fiquei, sem ela.

viernes, 21 de agosto de 2009

Um cabelo a Norte


E rolou. Rolou pelo chão até a saliva se esgotar contra o alcatrão sujo.
A sua cabeça bateu várias vezes contra os pés dos transeuntes, até cada um deles transportar um fio dos seus cabelos, alguns enrolaram-se aos atacadores de nylon, outros, pegaram-se teimosamente às biqueiras dos sapatos, lugar vertiginoso.
Assim, os cabelos presos das suas ideias, foram distribuidos por centenas de sapatos que caminhavam em diferentes direcções.
Os resultados não se fizeram esperar.
A Oeste da Cidade, uma esmagadora massa de mulheres enlouqueceu de amor.
Empurraram o portão de ferro do Jardim Botânico e despedaçaram todas as roseiras de colecionador, até o chão se cobrir de uma massa vermelha de polpa aveludada e sentidos latentes.

A Sul, todos os cães dos bairros operários uivaram até ao amanhecer, a uma lua que os olhos das crianças viram converter-se em queijo.

Começou a soprar um vento quente a Este, lentamente no inicio, depois sem piedade, forçando as janelas a serem abertas. Delas saiu toda a felicidade contida, como vapor, cada sorriso, cada olhar, cada emoção verdadeira, em partículas que se elevaram no céu habitualmente cinzento e formaram uma nuvem de cor incerta(uns descreviam-na como azul-cobalto, outros como vermelho-intenso e os últimos que afirmaram ser,indiscutivelmente,amarelo-perdição) que se precipitou em direcção a Norte, o que seria perfeitamente normal não fosse o facto de esta nuvem suspirar.

Foi pois, a Norte, onde tudo é sempre tão frio, que se verificou o menor número de incidências.
Para ser mais fiel à verdade,apenas um homem sentiu o impacto desse cabelo vermelho, como uma carícia feita por uma mãe morta, a escorregar pela face devagarinho, fugidía, sem se deixar agarrar.
A intensidade da paixão que sentiu, fe-lo sentar-se subitamente no passeio de calçada branca, sentiu-se agasalhado até à náusea e uma onda quente sugou-lhe a água do corpo libertando-o de peso.
Caiu de costas contra a calçada, sob a nuvem de suspiros.
O Norte é um sítio frio, já aqui foi dito, por isso,o homem levantou-se e encaminhou-se para Sul, onde só poderia estar uma mulher quente.


martes, 18 de agosto de 2009

Barcelona, la Bella y la Béstia

La Mercé no mira hacia abajo.

Perdona...


Te molesto?


Lo siento...Es mi casa.

Yo...yo, ya no bailo.


Solo miro el cielo.

La noche y el día, sin Dios.

Con alas de plomo.

Soy prisionero, en la calle.

lunes, 17 de agosto de 2009

Mover os pedais



Saí de casa.
Pedalei furiosamente, como se o inferno tivesse decidido perseguir-me.
O ar, calor pesado, prometia relâmpagos, e uma parte de céu da Cidade manchou-se de negro.
Foi nessa direcçao que pedalei.
A trovoada avançou.
Pedalei de encontro a ela.

Mais rápido, cada vez mais rápido.
No Raval, absorvi o cheiro do caril e do gaspacho.

O ar encheu-me os pulmoes.
Desde a janela de um primeiro andar, ouvi o choro de uma criança.
O alívio rebentou dentro de mim, e quis chorar com ela.
Mas já nao é simples.


viernes, 7 de agosto de 2009

Bailando sobre mi tumba

“Chassé”.
La bailarina preparó el paso.
Cargó en cima de la culpa y el abandono, como si fuera un suelo de madera barnizada.

“Battement”.
La mujer de mirada sabia, esperó a que sus pies se inmovilizaran.
-No morió por tu culpa.
-No se fué por tu culpa.
-No te tocó por tu culpa.
-No te quiere , pero no, por tu culpa.

“Plié”.
La bailarina se enroscó en postura de embrión.
Metamorfosis.
Centenas de veces.
Volvió a nacer.

martes, 4 de agosto de 2009

Em Lisboa, quase sempre amanhece


Como a todo o bom emigrante, hoje, Lisboa visitou-me na calada da noite.
Quando tudo fica silencioso, e só os fantasmas cobrem o chao.
A saudade de cheiros, cores, sabores e palavras, sorrisos e gargalhadas.

A bica.
A última cerveja no miradouro de Santa Catarina.
Jeremias, o fora da lei.
Os bifes da Trindade.
O vinil, tao barato, da Feira da Ladra.
Os pastéis de Belém...
O Bar das Palmeiras e as portas de saloon do Gingao, que já só existe em música.
As ovas de pescada do 1º de Maio, sempre regadas em boa companhia.
As casas de cachupa, às 5h da manha.
A Cristal preta e as bebedeiras de um amigo de virgindade surrealista.
Uma amiga que encontrou a felicidade por entre pedras Alentejanas.
Uma outra, que se esqueceu que era forte e que a vida era mais...


“Ainda nao manejei nenhuma arma que nao desse ricochete”.
Talvez por isso, esqueciamos sempre as armas em casa.

lunes, 3 de agosto de 2009

Largas noches


Ala rota.
Ausencia.

Múltiples y microscópicas batallas ganadas.
Miradas llenas de contención.
Ausencia.

Porqué el dolor no cabe dentro del cuerpo?

Mis manos son tan pequeñas, y estoy tan cansada de soñar por las noches.
Quizás, los espacios que quedan entre los dedos no sirvan solo para poder moverlos, pero también, para dejar caer lo que podemos tocar.

A veces, soy solo todo lo que se ha escurrido de muchos dedos.
A veces, soy solo ausencia.
Tal como tu.